(*) Nesta última década o Tau (uma cruz sem a parte vertical
acima da linha transversal) está se tornando quase moda. Artistas de
telenovelas o usam pendurado ao pescoço, e muitos outros jovens o ostentam em
seu peito, no pulso, em forma de brinco nas orelhas. Porque todas essas pessoas
o carregam podemos apenas intuir, sem contudo ter certeza do motivo que fez
este símbolo como que ressuscitar na história.
Há 50 anos, o tau não era mais que o sinal distintivo dos
franciscanos e franciscanas da Ordem Franciscana Secular. Daí passou a ser
usado por religiosos franciscanos em substituição ao hábito, por jovens da
Jufra e, depois, pelo público em geral. Mesmo que este símbolo seja muito
difundido, não resta dúvida que atualmente ele está em estreita relação com o
franciscanismo e parece estar carregado de uma mística especial relacionada à
pessoa de São Francisco e à família franciscana, ainda que não reservada aos
franciscanos e franciscanas.
As origens
bíblicas deste símbolo
A inspiração bíblica direta do Tau viria do livro do profeta
Ezequiel (9,4), onde Deus pede para percorrer a cidade e marcar na fronte
aqueles que não se conformam com a maldade existente dentro dela. Estes eram
marcados com o sinal de Tau, isto é, a última letra do alfabeto hebraico. Eles
seriam poupados quando passasse o anjo exterminador do mal, enquanto todos os
demais seriam mortos.
Os biblistas entendem que o profeta Ezequiel, na verdade, se
inspirou na página do Êxodo (12,13), no momento em que os hebreus no Egito,
inconformados com o regime de escravidão que lhes era imposto, estavam se
organizando para fugir de Faraó. Na véspera da partida, mataram o cordeiro,
tingiram com sangue um Tau nos umbrais da porta. Ao passar o anjo exterminador
durante a noite, poupou os primogênitos dessas casas. Nas demais havia choro e
desespero. Os hebreus aproveitaram a confusão, fugiram e entraram deserto
adentro, sem poderem ser alcançados pelo exército do inimigo que os perseguiu.
Tornaram-se uma nação com projeto sócio-político de fraternidade e igualdade, e
crente no único Deus libertador. Sentiram ser portadores da missão de mostrar a
todos que “um outro mundo possível”.
A mesma mística, segundo os exegetas da Sagrada Escritura,
pode ser encontrado em outras duas passagens bíblicas, no último livro, o
Apocalipse: 7, 3-4 e 14, 1-7. Os 144 mil marcados na fronte (sempre com o mesmo
sinal do Tau) foram salvos, porque não se deixaram condicionar pelo modo
pervertido da sociedade e se deixaram redimir pelo sangue do Cordeiro imolado
(Jesus Cristo).
Tau: Presente nos Templos e na história dos Templários. |
Como se vê, é sempre a mesma idéia a perpassar os textos: ser
marcado (por Deus) com o sinal do Tau porque inconformado com a maldade
existente ao seu redor e, ao mesmo tempo, como expressão da opção por levar uma
vida diferente, mais coerente com o desígnio de Deus.
Francisco e o
Tau
Damien Vorreux, um pesquisador francês de nossos dias, nos
informa que na Idade Média o povo usava o Tau como um meio mágico e milagroso
para serem preservados da peste e de todo o poder diabólico. Muitos o levavam
como anel no dedo, como amuleto ao pescoço ou então o pintavam no umbral da
porta. Em 1212, na Cruzada das Crianças contra os muçulmanos, o Tau foi o
símbolo escolhido desta luta contra o mal, o que “prova o valor afetivo desta
bandeira e seu poder encantador”. Gregório de Tours, outro cronista francês,
nos dá notícias de que o Tau era objeto de devoção do povo já em 546 na cidade
de Clermont, mediante o qual esperava ser livre de pestes e outros males.
Como Francisco entrou em contato com esta tradição do Tau?
Embora os dados não sejam muito abundantes, são mais que suficientes para o
objetivo que nos interessa. Francisco nasceu e foi criado em Assis, a 180km de
Roma. Mas ele esteve em Roma ao menos umas sete ou oito vezes. Em algumas
dessas oportunidades permaneceu muitos dias, mais de mês, hospedando-se
repetidas vezes junto ao hospital de Santo Antão, onde os Frades Hospitaleiros,
dedicados aos leprosos e outros doentes, usavam ostensivamente esse símbolo do
Tau: desenhado no bastão que fazia parte do seu traje, costurado por sobre o
hábito, pintado nas portas dos quartos, nas panelas, nos pratos, em toalhas
etc. Sempre faziam uso dele também nas orações de cura e nos exorcismos.
Em 1215, quando Francisco se encontrava em Roma participando
do IV Concílio de Latrão, no dia 11 de novembro, o papa Inocêncio III fez um
solene discurso para os mais de 800 padres conciliares e os convidou a serem
“campeões do Tau”, isto é, ser os vanguardas da onda de renovação e conversão
da Igreja que Deus esperava. “Com muita probabilidade, escreve ainda D.
Vorreux, Francisco se deixou sensibilizar por estas palavras do papa e pela
mística deste símbolo, passando a adotá-lo.
Nos escritos do próprio Francisco não encontramos nenhuma
referência direta a este sinal bíblico. Ou melhor dizendo, Francisco nunca faz
referência com palavras a este sinal. No entanto, a restauração da capelinha de
Santa Maria Madalena, em Fonte Colombo, lugar onde Francisco teria feito o
primeiro esboço da Regra, sob as camadas sobrepostas de cal, pode-se ver
claramente o sinal do Tau desenhado em vermelho no umbral da janela,
provavelmente próxima ao local onde costumava se ajoelhar para suas prolongadas
orações. Também no bilhete da bênção dado a Frei Leão, Francisco substitui sua
assinatura pelo desenho de um Tau. São Boaventura nos informa que “o Tau era um
sinal muito querido do santo. R
Recomendava-o muitas vezes, fazia-o sobre si
mesmo antes de iniciar qualquer trabalho e o escrevia de próprio punho no final
das cartas que ele enviava, como se quisesse pôr todo o seu empenho em imprimir
esse Tau, segundo a palavra do profeta (Ez 9,4) sobre a fronte daqueles que
gemem e choram seus pecados, de todos os verdadeiros convertidos a Cristo
Jesus”.
Um Templário é um Soldado de Cristo |
Para concluir, poder-se-ia resumir a três as idéias
mais importantes da mística do Tau para Francisco.
a) O Tau está
associado à cruz. Mas, se por um lado pode ser visto como sinônimo, por outro
pode receber uma significação mais abrangente, já que ele já era evocado muitos
séculos antes de Jesus Cristo. Luciano Sangermano reconhece no Tau um símbolo
religioso ecumênico e aberto ao diálogo inter-religioso. Não é impossível que o
espírito de Francisco tenha intuído neste símbolo uma possibilidade de
aproximação com as outras crenças religiosas, sobretudo o judaísmo, naquele
tempo em aberto contraste com o cristianismo.
b) O Tau
aparece na Bíblia sempre em contexto de busca de conversão e de luta por
libertação do pecado, as injustas estruturas sócio-políticas de dominação, como
expressão de que seja substituído por um regime de verdadeira solidariedade
humana.
c) Por
fim, o Tau para Francisco seria o símbolo de uma opção por uma
radicalidade maior de vida onde o Evangelho se torna a regra máxima do viver.
Ou dizendo de forma diferente: uma vida de seguimento real das pegadas de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Assumir o Tau quer significar estar comprometido com a
proposta de Cristo. Caberia nos perguntar, então, se essa “onda” do Tau
constatada atualmente na sociedade não é também portadora, ainda que de modo
velado, de um acalentado sonho de “um outro mundo possível”, calcado na
fraternidade e na paz como Francisco buscou construir com seus irmãos e irmãs?
Se assim o é, quem pudera que estivesse presente em todos os lugares e de todas
as formas. Mas, caso contrário, ao menos os franciscanos e franciscanas
deveríamos ser os portadores desta utopia que, claramente, integra a mística de
São Francisco.
(*) Por Frei Aldir Crocoli, OFMCap
(*) Por Frei Aldir Crocoli, OFMCap
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